CLAMÍDIA, É VOCÊ?

  A infecção por clamídia é a doença sexualmente transmissível (DST) mais prevalente do mundo. Causada pela bactéria Chlamydia trachomatis, ela pode infectar homens, mulheres e ser transmitida da mãe para o feto durante o parto pela vaginal. Os homens apresentam um risco de 20% de pegar a doença após contato sexual com uma mulher contaminada. E se infectado, após 2 a 3 semanas, metade deles pode apresentar um corrimento claro de pequena quantidade pelo canal da urina (uretra). Essa uretrite pode ser acompanhada de dor ou desconforto para urinar. Podendo causar inflamações nos epidídimos (epididimite) e nos testículos (orquite), com risco de obstruções que podem impedir a passagem dos espermatozoides, causando esterilidade. Já na mulher, o risco de infeção após relação desprotegida com parceiro contaminado é mais alta, em torno de 70%. A infecção costuma ser silenciosa, a paciente pode notar corrimento leve, sangramento discreto e dor para urinar ou durante relações sexuais. Nessa fase, a bactéria está alojada no fundo da vagina/colo do útero causando a chamada cervicite. Caso não tratada, a infecção pode se propagar para o útero e trompas, causando a doença inflamatória pélvica (DIP). Essa infecção pode causar desconforto ou dor na parte inferior da barriga, com piora durante a relação sexual. E pode deixar sequelas como a esterilidade, a dor pélvica crônica e a gravidez ectópica (prenhez tubária). O contato com cepas mais agressivas da clamídia pode levar ao linfogranuloma venéreo (“mula” ou “bulbão”). Uma doença mais evidente que causa uma ferida na região genital, quase sempre não percebida, que cura por si só em aproximadamente seis semanas. Com surgimento de “íngua” (linfonodo aumentado) geralmente na região inguinal, que pode ser acompanhado de febre, mal estar, emagrecimento e dores no corpo. E da mesma forma que um furúnculo, drenar espontaneamente pus e após secar.

 

    Mas como essa bactéria que infecta os órgão genitais pode chegar até as juntas e causar um tipo de reumatismo? Bem, há anos se sabe que a artrite reativa induzida pela clamídia ocorre por um mecanismo incomum, quando essa infecção se torna persistente. Ainda que a infecção inicial genital seja curada pelo uso de antibióticos ou “sozinha” pelo próprio sistema imunológico, a resposta inflamatória no sistema genital atrai células mononucleares (um tipo de célula de defesa do sistema imunológico) para o local. Elas se se tornam infectadas e, via circulação sistêmica, chegam às articulações, onde infectam do tecido sinovial (que reveste internamente as articulações). Desta forma, a presença da clamídia (ou mesmo partículas dela) na articulação de um indivíduo geneticamente predisposto, poderá levar a um reumatismo denominado de artrite induzida pela clamídia (ou artrite reativa). A artrite reativa faz parte de uma “família” de reumatismos denominada Espondiloartropatias. Essa “família” inclui a espondilite anquilosante, a artrite psoriásica, a artrite reativa, as artropatias enteropáticas (associadas às doenças inflamatórias intestinais) e as indiferenciadas. Elas compartilham aspectos clínicos semelhantes como: dor axial (coluna e sacroilíacas) inflamatória, associada à artrite (principalmente em grandes articulações de membros inferiores) e entesopatias periféricas (inflamação das enteses, ligação entre o tendão e o osso). Além de aspectos radiológicos como a sacroileíte (inflamação das articulações sacroilíacas) e laboratoriais como a negatividade para o fator reumatoide e possível presença do HLA-B27.

 

   Na artrite reativa por clamídia o quadro articular costuma ser caracterizado por uma artrite em poucas articulações, assimétrica (não costuma afetar os dois lados do corpo ao mesmo tempo) e geralmente em grandes articulações de membros inferiores. É frequente a presença de entesites na inserção do tendão de Aquiles e da fáscia plantar (planta do pé) e tenossinovites (inflamação do revestimento da bainha do tendão) em dedos de pés e mãos, os chamados “dedos em salsicha”. O acometimento axial (espondilite e sacroileíte) pode aparecer em cerca de 20% dos casos. E o paciente pode sentir uma dor crônica, lombar ou sobre as nádegas, que caracteristicamente piora com o repouso e melhora com a movimentação. Durante a evolução desta doença o paciente pode evoluir com surto único (10% a 20%), crises recorrentes (40% a 60%) ou cronificar (doença persistente em 20% a 30%). Como já mencionado, os exames laboratoriais não confirmam a doença, mas indicam sua presença, como a negatividade para o fator reumatoide e a positividade na pesquisa do HLA-B27 (positiva em 50% a 80% dos casos).  Os exames de imagem são importantes para detectar se existe o comprometimento axial (coluna e sacroilíacas), com uso de radiografias e mais precocemente a ressonância nuclear magnética.

 

  Na fase articular aguda da doença o Reumatologista poderá fazer uso de anti-inflamatórios ou corticoides em casos de artrites ou entesites persistentes.  Nos casos que evoluem para doença articular crônica, predominantemente periférica, pode-se utilizar a sulfasalazina e o metotrexato, nas doses apropriadas. Já nos casos de acometimento axial o Reumatologista avaliará o caso e poderá indicar o uso das medicações imunobiológicas.  Em pacientes com infecção ativa do trato geniturinário por clamídia, deve-se administrar tratamento antibiótico específico (azitromicina, doxiciclina, eritromicina, minociclina, por exemplo) durante 14 dias e deve incluir o/a parceiro/a para evitar a reinfecção. Já o tratamento da infecção crônica (já sem sintomas e com exames de sangue mostrando “cura” – anticorpos IgG) ainda é discutível, mas alguns trabalhos mostram benefícios, principalmente para evitar recidivas da doença.

 

  Ainda não se sabe por que apenas um pequeno número de indivíduos com infecção genital vai desenvolver uma artrite aguda. E o motivo pelo qual metade destes indivíduos evoluem para a cronicidade, com potencial risco de deformidades e prejuízo na qualidade de vida. Desta forma, a prevenção com uso de preservativos e o acompanhamento ginecológico de rotina são fundamentais para se evitar e tratar adequadamente essa infecção por vezes silenciosa e perigosa.