FALANDO SOBRE CORTICOIDE

Vamos começar a falar sobre corticoides apresentando nosso protagonista, prednisona, para os mais chegados. Pois é, precisamos conhecer nosso “inimigo”, ou melhor, nosso “amigo” de perto para saber melhor como lidar com ele. O corticóide é o melhor exemplo da “pessoa duas caras”, ora ele nos salva. Aquele salvamento cinematográfico mesmo, com direto a retorno direto do “túnel que nos conecta ao céu” e milagres dignos da Bíblia. Ora ele engorda, aumenta a pressão, induz um diabetes, nos deixando fracos e sem energia.

 

Os corticoides têm tantas aplicações na medicina que seria mais fácil fazer uma lista das doenças para as quais nunca se tentou usá-lo, do que para as que ele funcionou. Bem, os glicocorticoides, nome certinho, são hormônios esteróides produzidos a partir do colesterol por duas pequenas glândulas “em cima” dos nossos rins, as supra-renais. Todos nós produzimos diariamente uma pequena dose de corticoide, cerca de 10mg ao dia, sobre o comando do cérebro, com maiores níveis pela manhã e muitos baixos de madrugada. Por isso, seu Reumatologista pede para você tomar sua prednisona pela manhã! Essa produção diária é fundamental para o adequado funcionamento de inúmeras funções do nosso corpo. Em situações de estresse, nossa produção aumenta muito, e esse é um dos principais problemas da sociedade moderna.

 

Os corticoides agem diretamente no DNA de nossas células para inibir a liberação de várias (váaaarias..) substâncias inflamatórias. E além da inflamação, ele age em várias ações metabólicas do nosso corpo. E é aí o ponto chave, o momento em que ele pode nos ajudar e também pode nos fazer mal. Tudo vai depender da dose e do tempo que o utilizamos.

 

O cortisol é principal glicocorticóides natural circulante no ser humano. E diferentes modificações na molécula do cortisol dão origem aos demais tipos que compramos na farmácia. Bem, podemos usar os corticóides, a depender da dose, para gerar um efeito anti-inflamatório ou imunossupressor (doses mais altas). Quando usamos doses acima do que produzimos normalmente, na maioria das vezes, potencializamos vários efeitos “bons” que eles normalmente possuem. E ai, eles “viram” os tão temidos efeitos colaterais que odiamos. Alguns desses efeitos acontecem logo quando começamos seu uso:

 

 Aumenta a glicose sérica (“açúcar no sangue”) e o glicogênio hepático (glicose armazenada).

 

 Provoca resistência à insulina (o “açúcar no sangue não “entrar nas células” com aumento de seus níveis no sangue).

 

 Reduz a síntese protéica e aumenta o catabolismo muscular (diminui massa muscular).

 

 Deprime a função da tireóide.

 

 Deprime a função reprodutiva e a síntese de hormônios sexuais.

 

 Interfere na absorção intestinal de cálcio, atrapalhando a ação intestinal da vitamina D.

 

 Acentua mudanças comportamentais, euforia, por exemplo.

 

Lembrando que eles estão diretamente relacionados ao tipo de preparo, via e esquema de administração, tempo de uso, idade e sexo do paciente, entre outros fatores a serem observados pelo seu Reumatologista!

 

Além das alterações metabólicas rápidas que os corticoides fazem já nos primeiros comprimidos. Alguns efeitos colaterais, ocorrem após o uso mais prolongado e com doses mais altas. A listinha é enorme, mas alguns grupos de alterações são monitoradas continuamente pelo seu Reumatologista, como por exemplo:

 

 Pele fina e frágil, com manchas roxas, acne, e estrias.

 

 Queda de cabelo e aumento de pelos em outras regiões.

 

 Catarata e glaucoma.

 

 Hipertensão arterial, dislipidemia (alteração no colesterol), aterosclerose, arritmias.

 

 Gastrite, úlcera, pancreatite, esteato-hepatite (fígado gorduroso).

 

 Osteoporose, necrose vascular (doença óssea), miopatia (inflamação dos músculos).

 

 Depressão, disforia, psicose, insônia.

 

 Infertilidade, distúrbios menstruais.

 

Mais importante que saber toda essa lista, que não termina aí, é o acompanhamento regular com seu médico. Na maioria dos casos, nós Reumatologistas, usamos os corticoides pelo menor tempo e dose necessários. Nossa “luta” é constante, procuramos sempre deixar nosso paciente “sem corticoide”. Mas, o tempo de uso e doses variam não só de acordo com a doença. Cada paciente é único, e deve ser avaliado com cuidado para determinarmos quando iniciar, quanto usar, por quanto tempo e como parar.

 

Ao longo desses 10 anos de formada, percebo que poucos pacientes tem a ampla noção das consequências de se suspender (para de tomar) abruptamente os corticoides. Nós médicos, temos uma grande parcela de culpa com relação a isso. Rapidinho prescrevemos corticoides, já que sabemos que, via de regra, nosso paciente vai melhorar, sem maiores explicações. E enquanto isso, espera-se a consulta com o “especialista”, que geralmente demora... Enquanto isso... O paciente continua tomando, as vezes até em dose maiores, já que “melhorou muito”. E um belo dia, para de tomar, afinal “já estou curado” ou “não quero mais tomar isso”, vida que segue.

 

Vamos olhar toda essa história pela perspectiva da sua supra-renal. Bem, imagine-se você, um exímio e incansável produtor diário de cortisol (glicocorticoide). De repente, você acorda desempregado, o cortisol que você produzia está chegando via um fornecedor externo. Bem, não se desespere, você continua com auxílio moradia e salario garantido. O que você faria? Dormir o dia todo? Sim, é o que sua supra-renal vai fazer. Mas, quando você achava que sua hibernação duraria para sempre. Eis que, o fornecedor externo suspende seus trabalhos. Seu chefe rapidamente solicita seu retorno. Só que você está gordo e lento demais para voltar sua produção como antigamente. E, nessa hora, seu corpo pode sofrer consequências graves.

 

Na verdade, em usuários de longa data ela pode demorar até 12 meses para se recuperar totalmente. E essa queda dos níveis sanguíneos da droga, pode causar sintomas como: febre, náuseas, vômitos, queda da pressão, hipoglicemia (baixo nível de açúcar no sangue), alterações sanguíneas de sódio e potássio. Alterações que, se muito graves, podem levar a situações de grande risco para o paciente.Outra consequência indesejada, é a reativação da doença de base do paciente (lupus, artrite reumatoide, etc.). Em alguns pacientes com sintomas de dor muscular, dor nas articulações, perda de peso e dor de cabeça. Dessa forma, a introdução, acompanhamento e SUSPENSÃO devem ser feitos sempre pelo seu Reumatologista.

 

Um ponto importante, é a possível necessidade de suplementação do corticoide (ou seja, dar uma dose extra) em pacientes que fazem uso rotineiro e vão ser submetidos ou estão em uma situação de grande estresse. Por exemplo, um procedimento cirúrgico, traumas e processo infecciosos. Seu Reumatologista irá averiguar essa necessidade e como isso será realizado. Após passar esse período, o paciente retorna ao uso da dose habitual.