A cúrcuma, popularmente conhecida como “açafrão da terra” ou “gengibre dourado”, é um tempero deriva do rizoma (caule subterrâneo) da Cúrcuma longa, um parente do gengibre. Muito utilizado no preparo de alimentos é encontrado em qualquer mercado ou feira de nosso país. Vendida desidratada, tem o aspecto de um pó amarelo escuro ou laranja. Esse tempero, característico das culinárias asiática e marroquina, é o “novo queridinho” no que se trata de alimentos que curam. Assim como o uso de outras plantas com possíveis efeitos benéficos em nossa saúde, o uso da cúrcuma está em alta e muitas informações disponíveis na internet podem não ser totalmente verídicas. A começar pela diferença entre ela e o popular açafrão. Que se trata dos estigmas de uma flor cor lilás (Crocus sativus), cujo o pó vermelho possui um valor elevado e é vendido apenas em lojas especializadas.
As informações acerca de suas propriedades anti-inflamatórias, imunomodulatórias e anticâncer muitas vezes estão descritas superficialmente e de forma genérica. Nos levando a crer que suas propriedades têm seu mecanismo e potencial de ação totalmente elucidadas ou que ele poderia substituir algum tratamento implementado pela medicina tradicional. De fato, são inúmeros artigos científicos e mais de 120 ensaios clínicos (teste utilizando humanos com a droga) sobre as propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e afins desse produto (o que muito interessa o reumatologista!). Com ênfase no possível benefício no combate ao câncer de nasofaringe, pulmão, hepatobiliar, mama, gástrico, colorretal, próstata, útero, sistema hematopoiético (leucemias e linfomas) entre outros. Em sua grande maioria com efeitos no crescimento, proliferação e invasão das células cancerígenas e induzindo a chamada apoptose, morte celular programada (deficiente nas células do câncer). Principalmente, por inibir a angiogênese (formação de novos vasos sanguíneos, importante para o crescimento tumoral). Além de outros possíveis benefícios em diversas doenças de origem inflamatória e autoimune (todas estudadas em artigos publicados esse ano!) como a artrite reumatoide, osteoartrite, colite, esteatose hepática não alcoólica (fígado gorduroso), prevenção de dano hepático no tratamento da tuberculose, cérebro (memória, doença Alzheimer), doença cardíaca relacionada ao diabetes, complicações do acidente vascular hemorrágico, rinite, entre outras doenças.
Dentre as substâncias contidas na cúrcuma, os curcuminóides, e implicadas em seus possíveis benefícios estão a curcumina, monodesmetoxicurcumina e bisdemetoxicurcumina. Em revisão sistemática (compilação e revisão de artigos científicos sobre o tema) de 1986 a 2002, incluindo artigos e livros sobre ervas medicinais. Foram encontrados diversos artigos que hipotetizam sobre as propriedades anti-inflamatórias, antivirais e antifúngicas da cúrcuma. E sua segurança, testada em 5 estudos com humanos com uso de doses de 800 a 2.500mg de curcumina ao dia, foi verificada a curto prazo. Além disso, foram encontradas evidências de redução de certas substâncias relacionadas a inflamação (incluindo fosfolipases, cicloxigenases 2, leucotrienos, tromboxano, prostagalndinas, óxido nítrico, colagenases, elastases TNF e algumas interleucinas) nesses estudos.
Em outro interessante estudo, publicado em janeiro desde ano, o uso da curcumina foi associado a possível redução do risco cardiovascular em idosos. O trabalho advoga que o aumento do risco cardiovascular nessa população se deva primariamente a mudanças na função das artérias e “endurecimento” destas com a idade. E teria como mecanismo chave, a redução da produção local de óxido nítrico (substância protetora que dilata as artérias). Esse trabalho confirma o que outras publicações já apontavam, que a curcumina aumenta a produção de óxido nítrico, reduz o estresse oxidativo e inflamação nas artérias. Entretanto, os próprios autores advertem, que este não pode ser generalizado a outros suplementos contendo curcumina, ou seja, a não ser que se use a exata formulação utilizada no estudo não podemos prever os mesmos resultados.
Ou seja, nem tudo são flores, ou melhor caule... Uma matéria da renomada revista Nature, de janeiro deste ano, explica com detalhes o porque a cúrcuma e seus componentes ainda possuem ações tão controversas. E cita uma revisão sistemática do pesquisador Michel Walters publicado este ano, que conclui que não há evidências de nenhum benefício específico terapêutico da curcumina. Ele explica a revista que a principal dificuldade está em comprovar que os benefícios encontrados são diretamente relacionados aos componentes da cúrcuma. Quando um cientista testa uma droga, ele busca maneiras que comprovar que certa substância se liga a determinado sítio de ação. E nesse quesito a cúrcuma é considerada uma “falsária”, porque ela (ou outros componentes no qual ela se transforma e impurezas ligadas a ela) estão aparentemente nos sítios de ação quando na verdade chegaram lá por outras vias. Ou seja, apesar de “estarem lá” não possuem ação nesses locais. Além disso, os pesquisadores muitas vezes não sabem qual molécula eles realmente estão estudando. Isso se deve ao fato do extrato de cúrcuma conter diversas moléculas com potencial de cura além da curcumina.
Outro ponto importante, são as diferentes formulações do extrato de cúrcuma, com diferença na concentração da curcumina e outras substâncias presentes na cúrcuma utilizadas nos estudos e sua associação com outros produtos que podem interferir na ação desta. Mas, é a biodisponibilidade (percentual que o organismo consegue realmente aproveitar uma substância após ingerimos), de fato, o fator mais preocupante. Isso porque a biodisponibilidade do extrato de cúrcuma em algumas formulações, se comprovou modesta e ainda não existe um consenso que padronize essas fórmulas para termos certeza do quanto estamos “realmente ingerindo” do produto. Desta forma, muito dos efeitos observados nos estudos “in vitro” (no laboratório) podem não acontecer realmente “in vivo” (no paciente). E isso se deve a baixa biodisponibilidade e extensa metabolização (transformação em outras substâncias), que ela sofre após ser ingerida. A boa notícia é que na mesma proporção que encontramos artigos sobre novos usos, encontramos diversos trabalhos sobre novas nanopartículas (pequenas partículas) e carreadores com potencial de “levar” de forma segura e eficaz a cúrcuma para seu local de ação. Até que se consiga isso, os efeitos da cúrcuma podem ser realmente verídicos apenas “in vitro” e no trato gastrointestinal dos pacientes, já que ficaria em contato com doses mais elevadas do produto.
Outra questão a ser considerada, é a toxicidade a longo prazo da cúrcuma. Estudo em animais já demostraram um possível efeito tóxico a longo prazo (uso maior que dois anos) de doses elevadas, inclusive com potencial carcinogênico (predispor ao câncer). Mas para comprovação em humanos, são necessários estudos apropriados. Algumas contraindicações e cuidados ainda devem ser observados. A cúrcuma não deve ser utilizada por pessoas portadoras de cálculos biliares, obstrução dos dutos biliares e em caso de úlcera gastroduodenal. Sendo contraindicada para uso em pacientes em tratamento com antiagregantes plaquetários, anticoagulantes, heparina de baixo peso molecular e agentes trombolíticos, pois, estudos demonstraram que a curcumina pode apresentar atividade antiplaquetária, possivelmente potencializando o efeito destas medicações com risco teórico de aumento no risco de sangramentos. Não há dados clínicos suficientes que assegurem o uso da curcumina durante a gestação, desta maneira sugere-se evitar seu uso durante período gestacional e de amamentação. Uma dica importante, é que caso for consumida nos alimentos, não pode ser aquecida (mais de 70o por mais de 30 minutos) ou fervida (mais de 5 minutos) com potencial perda ainda maior de sua biodisponibilidade.
Apesar de todas essa controversas e dificuldades, que tornam a pesquisa desses componentes tão difíceis. Vários pesquisadores ainda se mantêm otimistas com a cúrcuma. Admite-se que são necessários mais e melhores estudos sobre essas substâncias e mecanismos que melhorem e padronizem sua biodisponibilidade. E essa visão crítica é muito importante, não apenas em relação a cúrcuma, mas várias substância e ervas medicinais que surgem nos holofotes da mídia e internet a todo o tempo. Como pudemos perceber, não podemos substituir nenhum tratamento instituído pelo médico para determinada doença pelo uso exclusivo da cúrcuma. Seu consumo na alimentação pode ser feito, atentando-se a procedência do produto, forma de uso (in natura adicionada aos alimentos) e uso sem exageros. E já existem algumas formulações de alguns laboratórios disponíveis com melhores resultados de absorção, devendo-se evitar manipulações. Da mesma forma, ela não é isenta de contraindicações e seu uso deve ser recomendado por seu médico Reumatologista!