ESCLEROSE SISTÊMICA

O termo esclerodermia significa literalmente “pele dura”. Mas a esclerose sistêmica (ES), nome mais atual, é muito mais que uma doença que causa um espessamento da pele.  Na ES ocorre inflamação, fibrose excessiva, alterações dos vasos sanguíneos e desregulação do sistema imune (autoimunidade).

 

A ES é considerada uma doença rara e o primeiro trabalho científico brasileiro que investigou a incidência e prevalência da doença no Brasil é do querido conterrâneo e professor Alex Magno Horimoto. Ele encontrou uma taxa de incidência de 11,9 casos por milhão de habitantes e de prevalência de 105,6 casos por milhão de habitantes semelhante ao encontrado na europa.

 

A formação de uma cicatriz em nosso coro pode até não ser esteticamente ou funcionalmente interessante para nós, mas nos mantém vivos. A produção da cicatriz, depósito de colágeno, ocorre por um tipo de célula chamada fibroblasto. E na ES a pele espessada é causada por uma superprodução de colágeno pelos fibroblastos. Pois é, nesse caso quem ficou “lelé da cuca” foram eles, após passarem a ser superativados pelo sistema imunológico e produzir colágeno em grandes quantidades.  Ainda não se sabe ao certo como isso ocorre, mas parece que alterações nos vasos sanguíneos que ficam mais propensos a se contraírem ocorrem já bem no início da doença. Além da participação de fatores genéticos e do ambiente em que vivemos.

 

O sintoma mais característico da EA é sem dúvida o espessamento da pele. Geralmente, antes que a pele comece a ficar endurecida ela fica inchada. Isso pode ser melhor identificado nas mãos e dedos que podem parecer inchados.  Um edema fofo, associado a uma pele brilhante, que se conhece por “puffy-hands” e “puffy-fingers”, respectivamente. Com o passar do tempo, o aspecto inchado da pele tende a dar lugar a uma pele mais firme e espessa. Esse espessamento pode levar a contraturas articulares, mais perceptíveis em mãos, com prejuízo funcional ao paciente.

 

De acordo com a quantidade de “pele afetada” podemos classificar a ES em dois tipos. A ES limitada, quando o espessamento da pele ocorre apenas mãos, antebraços, pernas e pés. Já na ES difusa braços, coxas e tronco também são afetados. O rosto é acometido nas duas formas. Pode haver pregueamento da pele ao redor da boca dando um aspecto de que a boca teria sido fechada puxando-se um cordão. É bem típica a abertura reduzida da cavidade oral e a escassez de rugas, deixando o paciente por vezes sem expressão.

 

O Fenômeno de Raynaud pode ocorrer em até 90%! Nele os dedos se tornam pálidos ou azulados quando expostos ao frio devido a constrição “exagerada” dos vasos sanguíneos. E voltam a se tornar corados após o aquecimento (tem post anterior no feed). Ele pode causar formigamento e dor nas extremidades, principalmente, mãos e pés. E predispor a formação de feridas da pele, principalmente na ponta dos dedos. Na pele são também possíveis a calcinose, que é o depósito de sais de hidroxiapatita no subcutâneo. Podendo formar nódulos que podem romper e extravasar um conteúdo com aspecto semelhante a pasta de dente. E as teleangiectasias, que são dilatações de pequenos vasos capilares, são comuns.

 

Infelizmente, nem só do “endurecimento” da pele vive o portador de esclerose sistêmica. Desde o início da doença podem ocorrer sintomas de comprometimento osteomuscular, como dor muscular por inflamação dos músculos. E dores articulares difusas que podem evoluir para contraturas articulares devido ao endurecimento da pele.

 

O esôfago costuma ser afetado na quase totalidade dos pacientes esclerodérmicos. O paciente pode queixar-se de dificuldade para engolir sólidos e/ou líquidos. Outros sintomas como regurgitação dos alimentos, sensação de queimação e saciedade precoce pode ocorrer. Essa dificuldade em alimentar-se pode inclusive gerar perda de peso e desnutrição. O comprometimento gástrico e do intestino manifesta-se com desconforto e plenitude abdominal, sensação de estar “cheio” mesmo após comer pequenas quantidades de comida, flatulência, náuseas e vômitos, diarreia ou constipação.

 

O acometimento do pulmão ocorre em até 70% e pode ser mais ou menos grave. A inflamação e fibrose no pulmão e a hipertensão pulmonar, que é a elevação da pressão nas artérias que irrigam os pulmões, podem causar sintomas como falta de ar e fadiga. Os pacientes que possuem a forma difusa da doença alterações nos rins, coração e um acometimento mais grave das articulações (principalmente dedos, punhos, cotovelos e ombros) podem ocorrer.

 

Como praticamente todas as doenças tratadas pelo Reumatologista para realizar o diagnóstico do ES nós utilizamos critérios diagnósticos bem estabelecidos para nos guiar nessa empreitada. A Reumatologia busca a cada dia o diagnóstico precoce de suas doenças. Ainda mais no caso da ES, uma doença tão incapacitante e que causa muito sofrimento aos seus portadores.

 

Nos baseamos principalmente nas alterações de pele (espessamento, úlceras, teleangiectasias), presença do fenômeno de Raynaud. Achado de alterações nos vasinhos periungueais (cutícula) por meio de um exame chamado capilaroscopia, anormalidades pulmonares e anticorpos específicos no sangue.

 

Na avaliação do paciente com ES há alguns autoanticorpos que costumam ser solicitados de rotina. Pode-se citar como exemplo: o FAN (anticorpo antinuclear), ACA (anticorpo anti-centromérico), anti-topo-1 (anticorpo anti-topoisomerase-1, antes denominado anti-ScL70) e ANTI-POL III (anti-RNA polimeraseIII). Na esclerodermia, o FAN está presente em mais de 95% dos pacientes  independentemente da forma clinica da doença (limitada ou difusa).

 

Atualmente, já existem critérios que nos ajudam a diagnosticar ainda mais precocemente esse mal. E ele nos coloca a ocorrência do fenômeno de Raynoud, “puffy fingers” e a presença do FAN positivo como “bandeiras vermelhas” que nos sinalizam uma alta suspeição para a doença. Ou seja, antes mesmo do paciente começar a apresentar as complicações da fibrose excessiva em pele e órgãos esses sinais já podem levantar a suspeita da ES. Confirmado, então, com a realização do exame de capilaroscopia e a dosagem dos anticorpos específicos. O objetivo é viabilizar ao paciente avaliação e tratamento numa fase mais inicial da doença, em que lesões potencialmente irreversíveis poderiam ser melhor manejadas e tratadas.

 

O desejo do Reumatologista em realizar  o diagnóstico cada vez mais precoce da esclerose sistêmica se deve a possibilidade de uma tratamento em fases em que a doença poderia ainda ser reversível. Atualmente nosso arsenal terapêutico se restringe ao uso de corticosteroides, metotrexato e imunossupressores como a ciclofosfamida. Que possuem uma ação modesta no que diz respeito a evitar a progressão da fibrose, principalmente em casos mais avançados.

 

Outros medicamentos como o micofenalato de mofetil, imunoglobulina, Rituximabe (medicamentos que depleta as células B), Tocilizumabe (um inibidor de IL-6, uma substância inflamatória importante) passam a ser cada vez mais utilizados. O transplante autólogo de célula tronco, apesar dos riscos aumentados, principalmente no primeiro ano de tratamento, é uma opção em casos selecionados.  Existem atualmente várias drogas anti-fibróticas mais específicas sendo testadas para uso na ES.

 

Como, atualmente, nenhuma medicação disponível possui uma grande influência no curso natural da doença, utilizamos vários medicamentos para minimizar os sintomas da doença já estabelecida. Como, por exemplo, o uso de medicações que dilatam os vasos sanguíneos para tratar a hipertensão arterial pulmonar e o fenômeno de Raynaud e medicamentos para aliviar os sintomas gastrointestinais.