O sentimento de incerteza e expectativa a cada dor e cabeça ou espirro que todos nós estamos vivendo não é uma novidade para quem vive com uma doença crônica. Para quem tem lupus, por exemplo, estar com sua doença se manifestando de uma forma mais leve ou mesmo estar em remissão não é garantia de estoque ilimitado de saúde. Não temos como prever 100%, mas existem alguns fatores individuais, um fenótipo, que se relaciona a uma maior chance dessa conversão de um quadro de lúpus leve ou moderado em um quadro mais grave com necessidade de um tratamento mais agressivo. Como, por exemplo, ser do sexo masculino, ter o anticorpo anti-DNA positivo e apresentar-se com sintomas neuropsiquiátricos relacionados ao lúpus no início da doença.
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Mas essa pandemia conseguiu com uma “tacada só” catalisar alguns dos principais fatores ambientais diretamente associados a uma evolução desfavorável dessa doença.
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Descontinuidade do acompanhamento regular com seu reumatologista com avaliação clínica e exames complementares específicos para verificar a atividade da doença.
Não aderência ao tratamento.
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Sim, já tínhamos muita dificuldade para assegurar a aderência do nosso paciente. Seja por falta de acesso as medicações de alto custo ou falta de esclarecimento quanto a importância e correto manejo de potenciais efeitos adversos mais da metade dos pacientes lúpicos não usam suas medicações de forma regular. Mas agora temos algo inédito. O sumiço da hidroxicloroquina (HCQ) das prateleiras das farmácias. Uma medicação, cujo o acesso era assegurado a imensa maioria. E sabe o que isso significa? Infelizmente um aumento de “flares” (agudização da doença), da gravidade e mortes pela doença. Um trabalho britânico recente apresentado no EULAR desse ano estudou o impacto da aderência ao uso de HCQ em pacientes recém diagnosticados com lúpus. E estimou uma mortalidade 3x maior em quem a usava e descontinuou e 5x maior naqueles que nunca chegaram a usar. Um pequeno spoiler do filme de terror que poderemos assistir nos próximos dias.