O que a diabete pode fazer com as suas articulações?

  O diabetes mellitus é um enorme problema de saúde pública e está associado a uma grande variedade de manifestações musculoesqueléticas. Com base nas tendências atuais, mais de 360 milhões de pessoas terão a doença por volta do ano de 2030. Para predispor a essas manifestações reumáticas o paciente pode ter tanto o diabetes tipo 1 quanto o tipo 2. O diabetes tipo 1 resulta de uma deficiência completa de insulina por destruição autoimune das células β produtoras de insulina no pâncreas. Enquanto o diabetes tipo 2, que é a maioria dos casos (em torno de 95%), existe resistência à insulina, produção hepática excessiva de glicose e metabolismo anormal das gorduras, resultando em uma relativa deficiência desse hormônio.Devido ao aumento da obesidade e à redução de atividades físicas na população, a prevalência do diabetes tipo 2 é a que mais aumenta. Muitas vezes o paciente não apresenta sintoma aparentes e as manifestações reumáticas são correlacionadas com tempo de evolução e controle inadequado da doença. O reconhecimento adequado e tratamento são de extrema importância, pois melhora a qualidade de vida desses pacientes no decorrer de suas vidas.

  Atualmente, apesar do aumento dos casos da doença, estamos mais bem informados e dispomos de inúmeros tratamentos para o diabetes. Dessa forma a expectativa de vida dos pacientes diabéticos aumentou, e concomitante a prevalência e importância clínica dessas alterações osteomusculares. As principais afecções reumáticas encontradas nesses pacientes são: síndrome das mãos rígidas, contratura de Dupuytren, dedos em gatilho, capsulite de ombro, periartrite calcificada de ombro, síndrome do túnel do carpo e artropatia de Charcot.  Além disso, maior prevalência de artrites por cristal, infecções, osteoporose e de osteoartrite têm sido observadas.

  Uma condição muito prevalente, e que causa intensa limitação para o paciente é a síndrome da mobilidade articular reduzida. Trata-se de uma limitação não dolorosa e não inflamatória da mobilidade da mão, dos pés e das grandes articulações. Múltiplas anormalidades bioquímicas parecem estar ligadas ao seu aparecimento, como por exemplo o “endurecimento” das fibras de colágenos das articulações pela presença da glicose de forma crônica. Quando afeta as mãos, chamamos de síndrome da mão rígida ou queiroartropatia diabética. Tipicamente, inicia-se como alterações na pele ao redor das articulações do quinto dedo e evolui de maneira a envolver todos os dedos (FIGURA 1). A pele fica endurecida e rígida com aspecto de cera, semelhante ao visto em esclerodermia. A prevalência da síndrome da mão rígida varia entre 38%-58% em pacientes com diabetes tipo 1 e entre 45%-76% naqueles com diabetes tipo 2. Os pacientes podem ser assintomáticos ou apresentar queixas de dor e sensação de formigamento.

  Na contratura de Dupuytren ocorre espessamento da fáscia (membrana que reveste os músculos) da palma da mão. Além da formação de nódulos palmares e nos dedos, espessamento e aderência da pele e formação de uma faixa nos tendões com contratura dos dedos.Afeta de 16%-32% dos pacientes, mais comumente idosos com longo tempo de doença. Um fato interessante, é que tende a envolver mais o terceiro e quarto dedos, em vez de quarto e quinto, como é típico dos casos associados a outras doenças (FIGURA 2). Causado também pelo endurecimento das fibras de colágeno nesse local, mais uma vez relacionada com a glicemia. O tratamento conta com infiltrações locais com corticoide, cirurgia, fisioterapia e terapia ocupacional.

  A prevalência de dedo em gatilho nos pacientes com diabetes vai de 5%-36% e contra 2% na população em geral. Comparados a pacientes não diabéticos, esses pacientes têm uma tendência para desenvolver envolvimento de múltiplos dedos simultaneamente. O tratamento pode ser é feito com modificação das atividades, fisioterapia, uso de talas, infiltrações e, em casos mais graves, cirurgia. Já a prevalência de síndrome do túnel do carpo em pacientes com diabetes vai de 11%-25%. Mais comum em mulheres, diabéticos obesos e em pacientes com polineuropatia (acometimento dos nervos pelo diabetes). O tratamento pode ser feito com analgésicos, fisioterapia e terapia ocupacional, talas e infiltrações com corticoides. A resposta a esses tratamentos costuma ser pobre e a cirurgia de liberação costuma ser mais necessária. O grau de recuperação pós-cirúrgica desses pacientes é pior devido uma maior dificuldade do diabético em regenerar nervos periféricos.

  Um dos problemas mais incapacitantes nesses pacientes é sem dúvida o acometimento do ombro.  A capsulite adesiva do ombro (também conhecida como ombro congelado) apresenta-se como uma restrição quase completa à mobilidade da articulação.A prevalência de capsulite adesiva do ombro é cinco vezes maior na população diabética que na população em geral, aparecendo em 10%-29% desses indivíduos. Esse problema instala-se de maneira progressiva e dolorosa levando à contratura da cápsula articular (membrana que envolve a articulação do ombro) por uma deposição excessiva de colágeno. Aparece inicialmente à noite e tem início gradual, com dificuldade de deitar-se sobre o ombro. O tratamento é feito com analgésicos, infiltrações com corticoides e fisioterapia. A maioria dos pacientes retorna à função normal, já que após a chamada fase adesiva, quando o ombro permanece congelado, acontece a recuperação na maioria dos casos. Outro problema comum é a tendinite calcificada, por depósito de hidroxiapatita (cristais de cálcio), em áreas próximas as articulações e tendões. São mais comuns em diabetes tipo 2, com calcificações presentes em até 31,8% dos pacientes. De forma muito interessante, muitos dos pacientes com diabetes e calcificações não possuem nenhum sintoma.

 A artropatia de Charcot, ou artropatia neuropática diabética, resulta da instalação da neuropatia diabética, comprometimento dos nervos periféricos nesses pacientes. Devido a falta de sensibilidade, ocorre frouxidão dos ligamentos e instabilidade da articulação com traumas recorrentes. Além de um fluxo de sangue pouco efetivo e inflamação da articulação devido ao diabetes. O paciente pode apresentar-se com início súbito de eritema e edema unilateral no pé ou tornozelo, que deve ser prontamente diferenciado de um quadro de infecção pelo médico. Ataques recorrentes podem seguir-se e, com o tempo, o indivíduo desenvolve uma atropatia crônica com queda do arco plantar e aparecimento de proeminências ósseas (FIGURA 3). Como já é comum no diabético, pode haver complicações com úlceras que facilmente infectam. Felizmente, não é dolorosa ou cursa com dor desproporcionalmente menor ao esperado, devido acometimento dos nervos destes pacientes. O tratamento é feito evitando-se peso na articulação afetada, com uso de sapatos adequados, e órteses para o pé. Além do possível uso de medicações para o fortalecimento dos ossos de acordo com cada caso.

  Outras doenças possivelmente associadas ao diabetes são osteoporose, osteoartrite e artrite por cristais. A associação com osteoporose é controversa, mas estudos mostram a associação do diabetes com um metabolismo ósseo prejudicado. Já a obesidade, muito comum no diabético, está associado a piora da osteoartrite. Da mesma forma, o diabético está mais propenso a sofrer com a chamada síndrome metabólica. Um conjunto de doenças relacionadas (obesidade, hipertensão, alterações na glicemia e colesterol) que também conta com aumento no ácido úrico e predisposição à gota e outras artrites por cristais. Uma dúvida recorrente no consultório e que vale a pena ser desmistificada é o uso do corticoide para infiltração (dentro da articulação ou em partes moles) no paciente diabético. Teme-se a piora ou descontrole da glicemia. Os poucos estudos disponíveis, não mostram alterações importantes e quando ocorrem, duram no máximo 5 dias.

  Como podemos ver, o diabetes descontrolado por muito tempo pode causar inúmeras complicações reumáticas. A dor, desconforto e dificuldade de realizar movimentos são marcantes. E a principal medida é a prevenção, já que os tratamentos não costumam ser muito eficazes e as doenças muito incapacitantes. A avaliação do médico Reumatologista, em conjunto com o clínico geral e endocrinologista, é muito importante para o correto manejo e diferenciação de outras doenças reumatológicas. O Reumatologista está apto a gerenciar outro ponto muito importante, o tratamento. Por exemplo, o uso de anti-inflamatórios é muito perigoso devido as complicações renais e cardiovasculares desses pacientes. Assim como o uso das infiltrações, com menor efeitos adversos, muitas vezes benéficas para esses pacientes antes de se considerar tratamentos cirúrgicos.