NÃO SE ENGANE: SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA D.

E aí, vamos falar um pouquinho sobre vitamina D. Tema bastante controverso... Mas, vamos lá!  Primeiro, gostaria de esclarecer uma coisinha.... Falamos muito por aqui em artigos, baseado em evidências e protocolos. Mas, o fato é que o mundo da pesquisa é muito complexo e também pode ser usado de “má-fé”, para tentar te convencer que algo é bom para você. Seja por grandes industrias farmacêuticas, seja por um “gaiato” querendo andar de Mercedes-Benz. Então, não é porque existe um artigo, ou alguns, falando sobre uma coisa que isso é verdade absoluta. Mesmo que esse “gaiato” poste no Instagram como a “maior novidade dos últimos tempos” ...

Existem vários tipos de trabalho, cada um tem um “grau de importância” quando se deseja estabelecer se um tratamento é bom ou não. Existem  especialistas para fazer essa análise e extrair do trabalho realizado dados realmente reais e que podem ser usados na nossa prática clínica. É por isso que existem os protocolos das sociedades de cada especialidade, por exemplo. Pega-se aquele “balaio” cheio de artigos e recomendações e tudo é filtrado, para que todos os médicos daquela especialidade possam fazer o “melhor” para seu paciente naquela determinada situação. 

 

Bem, dito isso, vamos lá. A recente controvérsia sobre a vitamina D é grande o suficiente para confundir mesmo os médicos mais estudiosos. É quase como ocorre com o café. Em uma semana ele é bom para sua saúde; na próxima já tem um estudo dizendo que ele faz mal. Embora exista um consenso geral de que níveis normais podem ser benéficos para os pacientes, ainda não está claro o quanto é preciso. Assim como, o quanto ela realmente contribui para o desenvolvimento das doenças reumatológicas e se ela pode ser um fator protetor contra elas. O que é certo, é que nunca se dosou tanto a vitamina D. Poderia dizer, obsessivamente. Ela está mais famosa que o “hemograma completo”.

 

A hipótese de que a vitamina D poderia estar relacionada a doenças autoimunes tem suporte em algumas observações. Como, por exemplo, o fato de pessoas que moram mais perto da linha do equador (que recebem mais luz solar) desenvolverem menos doenças autoimunes. Além do fato que inúmeros estudos mostram que pessoas com variadas doenças autoimunes tem níveis mais baixos no sangue de vitamina D que a população normal. Nosso conhecimento sobre a importância da vitamina D tem crescido rapidamente nos últimos anos. Sua influência em diferentes sistemas do organismo tem sido objeto de estudo por todo o mundo.

 

As células do nosso sistema imunológico possuem receptores para se ligarem a vitamina D e dessa forma ela “ativa” e “desativa” células e processos do nosso sistema imune. De forma geral, seus efeitos são mais imunossupressores, ou seja, “desligando” nossa imunidade. Existem fortes evidências de que ela participe, de alguma forma, em doenças autoimunes como esclerose múltipla, esclerose sistêmica, doença autoimune da tireoide, artrite reumatoide, entre outras. Mas, ainda não se sabe exatamente como. Em alguns estudos com animais, que já tinham uma predisposição genética para ter uma doença autoimune, a deficiência de vitamina D foi um fator para o desenvolvimento da doença. Sua presença em níveis insatisfatórios parece diminuir a ação do sistema imune levando a autoimunidade em pessoas que já possuem uma predisposição genética.

 

Mas porque os estudos mostram benefícios “no laboratório”, mas não na “vida real”. Bem, são vários fatores. Deferentes “cut-offs”, ou seja, o valor de vitamina D que é considerado suficiente ou insuficiente, são utilizados. E aí fica difícil comparar trabalhos com diferentes valores. Em alguns estudos, as pessoas que tomaram a vitamina D a fizeram por “conta própria”, ou seja, sem supervisão. Além de outros fatores que geram confusão como o uso de medicamentos, fotossensibilidade e baixa exposição solar nos pacientes lúpicos, por exemplo.

 

Estamos vivendo uma verdadeira “epidemia” de deficiência de vitamina D pelo mundo. Seja pelo fato de estarmos tomando cada vez menos sol ou dosando mais, quase obsessivamente, nossos níveis dessa vitamina. Mas é consenso entre trabalhos do mundo todo que pacientes lúpicos possuem níveis menores de vitamina D quando comparados à população normal. Mas uma coisa ainda não sabemos: a deficiência vista nesses pacientes é causa ou consequência da doença?

Bem, é fato que o uso de corticoide pode diminuir os níveis de vitamina D. Mas isso, isoladamente, não explicaria todo o dilema. Seria a culpa da baixa exposição solar então? Afinal, quem tem lúpus aprende desde cedo que o sol é seu pior inimigo. Mas um estudo verificou que isso pode não ser tão importante, e sim, o fato que lúpicos possuiriam uma alteração genética que os deixaria com níveis de vitamina D menores.

Os trabalhos com suplementação de vitamina D em lúpicos mostram uma diminuição nas substâncias inflamatórias e diminuição dos níveis de anticorpos da doença. Bem, então quer dizer que todo o paciente lúpico deve usar alguma suplementação de vitamina D? Não, ainda não temos essa recomendação bem estabelecida. Porque? Bem, primeiro porque o meio mais rigoroso de se demonstrar uma relação causal não é através de um estudo observacional (a grande maioria nesse caso). E sim por meio de estudos randomizados controlados, onde você pode realmente mensurar o tamanho do “efeito” que aquela intervenção causou. E mesmo assim, tem aqueles fatores que causam “confusão” como o uso de algumas medicações concomitantes (corticoide), se a doença estava em atividade, entre outros. Bem, resumindo, considerando tudo isso...

Apesar das evidências de que a vitamina D pode realmente “estar mais baixa” e   possuir um papel importante na gênese e progressão do lúpus. O uso de suplementação crônica, ainda mais em altas doses, não diminuiu a atividade da doença nos pacientes! Quanto a artrite reumatoide, a situação é bem parecida. O potencial da suplementação em prevenir as manifestações da AR. Assim como, os benefícios em usa-la com um componeste “fixo” para tratamento não foram comprovados. Precisamos de mais e melhores trabalhos para poder realmente afirmar isso. E estabelecer quando, como e por quanto tempo essa suplementação seria feita.

 

O uso de terapias adjuvantes, ou seja, concomitante ao tratamento que se realiza para determinada doença pode ser uma coisa benéfica. Sabemos que o tratamento de uma determinada condição deve ser sempre integrado, levando em conta o biológico, o psicológico e o social de cada individuo. Mas estamos sempre atentos e procuramos recomendar terapias que possam realmente trazer algum benefício e, principalmente, que não causem malefícios aos nossos pacientes.

 

Nesse intuito a recomendação, atual, da reposição de vitamina D é realiza-la quando identificamos a insuficiência desta em nosso organismo. Até que novas diretrizes oriente, de forma segura, a mudarmos nossa prática.  E aí temos um outro problema.... Quais níveis devem ser considerados? Quem tem doença reumatológica deve ter uma recomendação especial? Para isso, utilizamos as recomendações atuais da Sociedade Brasileira de Endocrinologia, que orienta:

 

Maior do que 20 ng/mL é o desejável para população geral saudável;

Entre 30 e 60 ng/mL é o recomendado para grupos de risco como idosos, gestantes, pacientes com doenças inflamatórias, e autoimunes, entre outros;

Entre 10 e 20 ng/mL é considerado baixo com risco de aumentar remodelação óssea e, com isso, perda de massa óssea, além do risco de osteoporose e fraturas;

Menor do que 10 ng/mL muito baixa e com risco de evoluir com defeito na mineralização óssea, que é a osteomalácia, e raquitismo.

 

Bem, mas para que tudo isso? Não é só uma vitamina? Sim, é uma vitamina. Mas não, não é isenta de efeitos colaterais. As principais complicações que podem ocorrer com o uso indiscriminado, principalmente em doses altas por longo tempo, é a hipercalcemia. Esse aumento dos níveis de cálcio no sangue pode ser muito perigoso. Sintomas de confusão mental, falta de apetite, náuseas, sede exagera, aumento quantidade de urina, vômitos e fraqueza muscular podem ocorrer. Podendo evoluir para insuficiência renal e formação de cálculos renais.

Bem, falamos bastante né? Espero ter tirado um pouquinho das dúvidas de vocês. Recebo muitas mensagens sobre esse assunto. E fico muito preocupada com certos “protocolos” sem base científica que prometem “o céu” isento de efeitos colaterais... Não se deixe enganar, quase nada nessa vida conseguimos sem lutar e experimentar um pouquinho de “efeitos colaterais”...

 

 

Fonte:

Rosen, Y.; Daich, J.; Soliman, I.; Brathwaite, E.; Shoenfeld, Y. Vitamin D and autoimmunity. Vol. 45, Nr. 6, 439 – 447, november 2016.
 

Vanherwegen, A.S.; Gysemans, C.; Mathieu, C. Regulation of immune function by vitamin D and its use in diseases of immunity. Vol. 46, Nr. 4, 1061 – 1094, december 2017.
 

Bragazzi, N.L.; Watad, A.; Neumann, S.G.; Simon, M.; Brown, S.B.; Abu Much, A.; Harari, A.; Tiosano, S.; Amital, H.; Shoenfeld, Y. Vitamin D and rheumatoid arthritis: an ongoing mystery. Vol. 29, Nr. 4 378 - 388, July 2017.